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16 de fevereiro de 2009

Um pouco mais.

Enquanto eu termino de ler o próximo livro para colocar aqui, deixo mais crônicas do Luis Fernando Verissimo, afinal, são muito boas.

= A Legítima e a Outra =

A Outra tanto fez que conseguiu entrar na UTI, onde encontrou a legítima agarrada à mão dele. Deitado de barriga para cima, com tubos e fios saindo para todos os lados e conectando-o à aparelhagem em volta, ele parecia um avião recém-pousado depois de uma longa viagem. Um Boeing com as turbinas apagadas, mantido vivo pelo pessoal da terra.

- Querido! - gritou a Outra, procurando uma parte dele que também pudesse agarrar.
A Legítima nem piscou.
- O que você fez com ele? - exigiu a Outra.
A Legítima nada.
- Eu sabia que cedo ou tarde você o mataria. - acusou a Outra.
A Legítima, uma pedra.
- Só comigo ele tinha o carinho de que precisava. Você fez isso com ele! Você! Com sua frieza, com sua maldade, com sua...
Então a Legítima falou:
- Nós estávamos fazendo amor.
A Outra recuou como se tivesse levado um choque.
- Mentira!
A enfermeira fez "sssh", mas a Outra falou ainda mais alto.
- MENTIRA!
- Ele morreu nos meus braços - disse a Legítima no mesmo tom triunfal.
- Ele não está morto - corrigiu a enfremeira.
- Morreu nos meus braços, está ouvindo?
- Despeito! Despeito! Ele só fazia amor comigo.-
Sabe quais foram as suas últimas palavras?
A Outra tapou os ouvidos.
- Eu não quero ouvir!
- Suas últimas palavras foram "Agora cruza!".
- Não!
- Sim! Sim! Nós estávamos fazendo o Alicate!
- NÃO!
Um médico apareceu e ameaçou retirar as duas de perto do paciente. Elas não lhe deram atenção. A Outra soluçava.
- Não, O Alicate não!
- Sim! Tudo o que ele fazia com você, ele fazia em casa. Experimentava em você para fazer comigo.
A Outra interrompeu os soluços para espiar por entre os dedos que tapavam seu rosto e perguntar, incrédula:
- A Borboleta também?
- A Borboleta, A Chinesa Assoviadora, o Baile dos Cossacos...
- NÃO!
- Sssshh!!
- Tudo. Tudo! Você era um campo de provas. Eu era pra valer. Com você era treino. Comigo era pelos pontos!

Então a Outra gritou uma palavra indecifrável e avançou num dos aparelhos que cercavam a cama, tentando arrancar os fios, até ser controlada pelo médico e a enfermeira e empurrada para fora do cubículo. Da porta a Outra ainda conseguiu gritar:
- O Salgueiro Despencado ele não fazia com você!
- Fazia! Fazia!
Perfilada ao lado da cama, a Legítima respirou fundo. Depois, sentou-se. Ia pegar a mão dele, mas recuou. Em vez disso, cochichou no seu ouvido.
- Joca?
Insistiu:
- Joca?
Depois:
- Como era o Salgueiro Despencado?
Depois:
- Seu safado. Como era o Salgueiro Despencado?
E o Boeing quieto.

Essa foi mais uma da parte Fidelidades & Infidelidades, o que está muito claro. Eu não consigo achar na internet as outras crônicas que eu queria colocar. Tenho que pegar o livro de novo pra colocar =p

11 de fevereiro de 2009

Novas Comédias da Vida Privada - autor

Luis Fernando Verissimo nasceu em 26 de setembro 1936, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Filho do grande escritor Érico Veríssimo, iniciou seus estudos no Instituto Porto Alegre, tendo passado por escolas nos Estados Unidos quando morou lá, em virtude de seu pai ter ido lecionar em uma universidade da Califórnia, por dois anos. Voltou a morar nos EUA quando tinha 16 anos, tendo cursado a Roosevelt High School de Washington, onde também estudou música, sendo até hoje inseparável de seu saxofone.

É casado com Lúcia e tem três filhos.

Jornalista, iniciou sua carreira no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, em fins de 1966, onde começou como copydesk mas trabalhou em diversas seções ("editor de frescuras", redator, editor nacional e internacional). Além disso, sobreviveu um tempo como tradutor, no Rio de Janeiro. A partir de 1969, passou a escrever matéria assinada, quando substituiu a coluna do Jockyman, na Zero Hora. Em 1970 mudou-se para o jornal Folha da Manhã, mas voltou ao antigo emprego em 1975, e passou a ser publicado no Rio de Janeiro também. O sucesso de sua coluna garantiu o lançamento, naquele ano, do livro "A Grande Mulher Nua", uma coletânea de seus textos.

Participou também da televisão, criando quadros para o programa "Planeta dos Homens", na Rede Globo e, mais recentemente, fornecendo material para a série "Comédias da Vida Privada", baseada em livro homônimo.
Escritor prolífero, são de sua autoria, dentre outros, O Popular, A Grande Mulher Nua, Amor Brasileiro, publicados pela José Olympio Editora; As Cobras e Outros Bichos, Pega pra Kapput!, Ed Mort em "Procurando o Silva", Ed Mort em "Disneyworld Blues", Ed Mort em "Com a Mão no Milhão", Ed Mort em "A Conexão Nazista", Ed Mort em "O Seqüestro do Zagueiro Central", Ed Mort e Outras Histórias, O Jardim do Diabo, Pai não Entende Nada, Peças Íntimas, O Santinho, Zoeira , Sexo na Cabeça, O Gigolô das Palavras, O Analista de Bagé, A Mão Do Freud, Orgias, As Aventuras da Família Brasil, O Analista de Bagé,O Analista de Bagé em Quadrinhos, Outras do Analista de Bagé, A Velhinha de Taubaté, A Mulher do Silva, O Marido do Doutor Pompeu, publicados pela L&PM Editores, e A Mesa Voadora, pela Editora Globo e Traçando Paris, pela Artes e Ofícios.

Além disso, tem textos de ficção e crônicas publicadas nas revistas Playboy, Cláudia, Domingo (do Jornal do Brasil), Veja, e nos jornais Zero Hora, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e, a partir de junho de 2000, no jornal O Globo.

Baseado completamente no site Releituras. Não tenho culpa se ele escreveu tudo o que eu precisava :G

Ele ainda possui um site próprio. Onde tem todos esses livros, mas só a capa. E várias crônicas. Vale a pena conferir. Eu já vi ele pessoalmente, mas isso não tem importância aqui.

E para finalizar, uma tirinha dele "As cobras". Que tem um pouco a ver com o próximo livro que vou colocar aqui, mas ainda vai demorar um pouco. Até.

Clica na imagem para ver maior

Escrevi duas postagens, uma aqui e outra aqui, com alguns contos do livro Novas Comédias da Vida Privada. Da uma olhadinha lá para se divertir um pouco com os divertidos contos do Veríssimo.

Até a próxima.

9 de fevereiro de 2009

Novas Comédias da Vida Privada


O livro é dividido em sete partes, tais quais: Fidelidades & Infidelidades, Encontros & Desencontros, Eles &/Ou Elas, Família, Pais & Filhos, No Bar, Metafísicas. A parte que mais tem contos é Eles &/Ou Elas. É um livro de 1996.
Ele adora mesclar seriedade com humor e também adora mostrar hipóteses, afinal a maior parte dos contos são como se fossem hipóteses. E ele é nada mais, nada menos que Luis Fernando Veríssimo. Sou só um pouco fã dele. Edit: E essa última frase foi um pouco irônica, se é que me entendem.


Fidelidades & Infidelidades:

Por mim colocaria todos, pois de todos eu adorei. Sempre são muito engraçados, mas eu escolhi alguns, senão aqui estaria o livro inteiro.

Olho de peixe

- Esse peixe está me olhando de uma maneira estranha...
- Calma, calma.
- Calma nada. Olha a cara desse peixe. Vou mandar de volta. Garçom!
- Você está bêbado.
- Posso estar, mas se é coisa que eu não aguento é um peixe insolente.
- O peixe está quieto. Te serve, come e vamos para casa que já está clareando o dia. Chega de confusão por hoje.
- Que confusão? Eu estou lúcido, ouviu? Lúcido. Só porque eu briguei com aquela piranha? Ela insultou a minha mulher. Minha mulher está sossegada na praia, a coitada. Não pode andar na boca de qualquer uma.
- Só o que a menina disse foi que ia ter porta- estandarte sem mestre-sala na praia, este fim de semana.
- E então? Uma clara referência à minha mulher. Ô garçom!
- Você é engraçado. Me convenceu a ficar na cidade, me convenceu a sair com você, arrumou o programa, depois passou a noite brigando e enchenco a cara!
- É que fica todo mundo querendo me fazer culpa. Olha esse peixe, por exemplo. O seu olhar de reprovação.
- Então come ele logo.
- Não. Se eu comer vai ficar a cabeça aí na travessa, me condenando por ter abandonado a família pela farra e por ter devorado o seu corpo inocente. É isso que ele quer. Está me desafiando. Quer ver de que horrores eu sou capaz.
- Não é possível...
- Garçom!
- Olha aqui, eu tapo a cabeça do peixe com esta alface. Assim você pode comer sossegado sem ver os olhos da vítima.
- Por que você fez isso?
- Como, por quê?
- Então você acha que o peixe tem razão. Você está com o peixe!
- Eu não acredito no que estou ouvindo...
- Não, você está com o peixe. Confesse. Acha que o peixe tem todos os motivos para me reprovar. Quer tapar os seus olhos e lhe poupar este triste espetáculo.
- Só o que eu quero é ir para casa dormir. E tem outra coisa: amanhã me mando pra praia. Carnaval com você, nunca mais!
- Está bem. Nesta mesa eu só tenho inimigos. Você e o peixe. É uma conspiração. Está bem.
- Escuta...
- Não precisa mais falar comigo. Converse com o seu protegido, o peixe. É bom descobrir a opinião que os amigos têm da gente. Você me considera um insensível, um monstro capaz de mentir para a mulher que precisou ir para o interior visitar um parente doente e ficar na cidade se divertindo no carnaval.
- Está aí. Você não tem razão para se sentir culpado. Você não se divertiu nem um minuto. Coma o seu peixe e vamos embora.
- Não. Ele ia me roer por dentro. Sabe que é daí que vem a palavra remorso? Significa recomer. Vem do tempo em que nós éramos canibais e temíamos que os inimigos devorados nos devorassem por dentro. Hein? Hein?
- Bêbado e erudito.
- Chato é a mãe.
- Calma, calma.
- Garçom! Leve este cara daqui. O peixe pode deixar que agora me deu fome.
- O senhor vai querer mais alguma coisa?
- O que que tem a minha mulher?

Paixão Própria

Tudo é vaidade. Não há quem não se ame. Mas, como em tudo na vida, no amor-próprio também é preciso moderação. Tome-se o caso do Silas.
Um dia encontramos o Silas no bar com o olhar perdido. Sentamos com ele e ele nem nos olhou. Aos cumprimentos - "E aí, Silas?" "Tudo certinho, Silas?" - respondeu com um gesto vago, que tanto podia ser um "Alô" quanto "Não me amolem". E continuou olhando para nada.
Achamos melhor não fazer perguntas, embora aquilo não fosse normal no Silas, que era um cara alegre. Mas com o passar do tempo o silêncio foi ficando demais. O silêncio do Silas era como uma quarta pessoa na mesa, e um desconhecido. O Manfredo não se conteve e perguntou: "Qual é?". Então o Silas revelou que estava apaixonado. Sabíamos que ele namorava a Vanda, mas aquilo dificilmente poderia ser descrito como paixão.
- Quem é? A gente conhece?
- Estou apaixonado por mim mesmo.
Eu e o Manfredo nos entreolhamos. O Silas continuou.
- Foi um negócio, assim, inesperado. Dessas coisas fulminantes. Entende? Eu já gostava de mim, claro. Quem é que não gosta? Sou um cara bacana. Não sou feio. Mas era uma coisa superficial. Nos encontrávamos no espelho, nos admirávamos. Mas éramos apenas bons amigos. Aí, há uns dois ou três dias, me olhei de uma maneira diferente.
- Fazendo a barba?
O Manfredo queria detalhes. Era um sentimental. Diziam que o Manfredo chorava vendo comercial de Danoninho.
- Me penteando. Nossos olhares se encontraram e, de repente, não foi como das outras vezes. Acho que fiquei uma meia hora só me olhando nos olhos. Desde então, não consigo parar de pensar em mim. Dormindo ou acordado, só vejo o meu rosto na minha frente. Penso nos meus gestos, nas pequenas coisas. Nesta cicatrizinha que tenho aqui...
Nisso, chegou Vanda.
- Oi, filhotes.
A Vanda era bonitinha. Morena, compacta. O Silas mal olhou para ela.
- Então, ô fossa. Continua na mesma? - perguntou a Vanda ao Silas.
- Vê se não me enche.
- Iiiih...
- A coisa é séria, Vandinha - avisou Manfredo.
- A coisa eu sei o que é. A coisa é outra mulher.
- Não é - disse o Silas.
- Pra mim tanto faz. Vê se eu me importo. Estou me lixando.
Mas ela parecia que ia chorar. Armava-se um dramalhão na mesa, e ainda era de manhã. O Manfredo tentou intervir.
- Fica assim não, Vandinha. O Silas...
- Esse daí é um pilantra.
- Epa! - reagiu o Silas.
- Pilantra! Mau-caráter!
Silas começou a se levantar, mas eu o segurei. O Manfredo convidou a Vanda para dar uma volta. Ela saiu de queixo em pé.
- Ela não pode falar assim do homem que eu amo! - exclamou o Silas.
O problema, afinal, era esse. Daí a fossa.
- Você não vê? É um amor homossexual.
- Bem, tecnicamente...
- É. E eu assumo.
Todo mundo tem amor-próprio, e é sempre correspondido. Mas no caso do Silas era paixão. Paixão própria. O Manfredo chegou a temer que o Silas propusesse a si mesmo um pacto de morte. Suicídio, já que o mundo jamais compreenderia seu amor louco. Mas não. Uma semana depois o Silas e a Vanda estavam juntos de novo e até casaram. No civil, no religioso e na nossa mesa do bar, toda a turma reunida, que era para valer.
Mas eu e o Manfredo notamos que durante a cerimônia, na igreja, o Silas estava com o olhar perdido. Pensando no seu amado.

Um dos contos da parte Encontros & Desencontros:

Aquilo

- De uns tempos para cá, eu só penso naquilo.
- Eu penso naquilo desde os meus, sei lá, onze anos.
- Onze anos?
- É. E o tempo todo.
- Não. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que não me preocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via acontecer à nossa volta, não podia ignorar. Mas não era, assim, uma preocupação constante. Como agora.
- Pra mim sempre foi. Aliás, eu não penso em outra coisa.
- Desde criança?!
- De dia e de noite.
- E como é que você conseguia viver com isso, desde criança?
- Mas é uma coisa natural. Acho que todo mundo é assim. Você é que é um anormal, se só começou a pensar naquilo nessa idade.
- Antes eu pensava, mas hoje é uma obsessão. Fico imaginando como será. O que eu vou sentir. Como será o depois.
- Você se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer naturalmente. Se você fica ansioso é pior. Aí sim, aquilo se torna uma angústia, em vez de um prazer.
- Um prazer? Aquilo?
- Pra você não sei. Pra mim, é o maior prazer que um homem pode ter. É quando o homem chega ao paraíso.
- Bom, se você acredita nisso, então pode pensar naquilo como um prazer. Pra mim é o fim.
- Você precisa de ajuda, rapaz.
- Ajuda religiosa? Perdi a fé há muito tempo. Da última vez que falei com um padre a respeito, só o que ele me disse foi que eu devia rezar. Rezar muito, para poder enfrentar aquilo sem medo.
- Mas você foi procurar logo um padre? Precisa de ajuda psiquiátrica. Talvez clínica, não sei. Ter pavor daquilo não é saudável.
- E eu não sei? Eu queria ser como você. Viver com a pespectiva daquilo naturalmente, até alegremente. Ir para aquilo assoviando.
- Ah, vou. Assoviando e dando pulinhos. Olhe, já sei o que eu vou fazer. Vou apresentar você a uma amiga minha. Ela vai tirar todo o seu medo.
- Sei. Uma dessas transcendentalistas.
- Não, é daqui mesmo. Codinome Neca. Com ela é tiro e queda. Figuramente falando, claro.
- Hein?
- O quê?
- Do que é que nós estamos falando?
- Do que é que você está falando?
- Daquilo. Da morte.
- Ah.
- E você?
- Esquece.


E assim, tem vários outros. Depois coloco mais.

No próximo post vou falar um pouco sobre quem é Luis Fernando Veríssimo.